RESENHA HISTÓRICA DO CONCELHO
As marcas da
ocupação humana, no atual Concelho de Ferreira do Zêzere, remontam à pré-história.
Na verdade, junto à povoação de Avecasta (Areias), situa-se um importante sítio
arqueológico que remonta ao Neolítico (constituído por uma vasta gruta
abobadada, pela dolina associada que lhe dá acesso pelo noroeste, e pela
envolvente da colina que a integra) e se prolonga no tempo de uma forma quase
contínua até ao fim da Idade Média, no que se poderá considerar uma das mais
longas e bem conservadas sequências estratigráficas de “antigas” culturas e
habitats em Portugal.
Por outro lado,
da época romana, podem encontrar-se: sepulturas, perto
da Serra de São Paulo (Beco); um castro, em Dornes (quase
destruído pelo nivelamento do adro entre a igreja e o cemitério, restando a
ponta norte, mesmo assim com uma eira); um castro, perto de Ferreira do
Zêzere, supostamente destruído pelos godos (povoado situado em monte de
encostas muito íngremes; defendido naturalmente por duas ribeiras, uma a norte
e outra a sul, e a este pelo rio Zêzere; e fortificado, com uma forte muralha
ainda hoje bastante visível e, a 600 m para oeste, com uma muralha defensiva no
Outeiro do Maxial. Há notícias de uma necrópole que poderia ter estado situada
na parte oeste do povoado, fora das muralhas); e inscrições lapidares.
Pimentel refere ainda que a antiga estrada Tomar-Cernache se
fazia por Dornes e, com efeito, Dornes está no trajeto de uma via que não pôde
ser comprovada no terreno.
Defende-se que a torre pentagonal de Dornes remonte, muito provavelmente, à época
romana pois, ao nível do embasamento, subsistem ainda vestígios da construção
dessa época. Na verdade, a presença romana no local é
testemunhada, não só através dos diversos objectos que têm vindo a ser
resgatados da estação arqueológica, como por meio de uma lenda que atribui a
Sertório a fundação do Castelo da Sertã e da Torre de Dornes, o qual havia
construído estas fortificações para sua segurança. Tal como refere Carvalho da
Costa: como fez [Sertório] o castello da Certã, faria tambem esta torre [de
Dornes] para sua segurança, por vir a estrada da Certã ter a este sitio,
servindo-lhe de ponte a barca de Dornes.
Mais tarde, durante o período de ocupação
muçulmana, a Torre de Dornes é integrada no domínio do Castelo de
Monsalude, cujas possessões se estendiam de Alvaiázere a Vila de Rei, e que a
tradição coloca na Serra de São Paulo do Beco. De facto, aí têm sido
encontrados diversos vestígios arqueológicos, entre os quais algumas sepulturas
mouriscas escavadas em afloramento rochosos, para além de existir um ditado
muito antigo relativo à má sorte dos mouros, após a perda destas terras em
favor dos cristãos: Entre a Serra de S. Pálos / E a Ribôra de Baltãi [hoje,
Ribeira de São Guilherme] / Fica todo o nosso bâi [isto é, toda a “nossa
riqueza”].
Portanto, ao tempo da Reconquista
Cristã, o território de Monsalude terá sido conquistado aos sarracenos e
convertido em reguengo, posteriormente fraccionado em várias parcelas,
entregues a diferentes forças administrativas. É desta forma que, no ano de 1200,
o rei D. Sancho I doa parte do reguengo de Monsalude a D. Pedro Afonso, filho
ilegítimo de D. Afonso Henriques, que nele cria os concelhos de Arega (1201),
de Figueiró (1204) e de Pedrógão (1206). A povoação de Dornes, integrada nesta
fracção do território, seria entregue por D. Pedro Afonso à Ordem do Templo no
ano de 1206. A posição estratégica do povoado conduziria a um reforço da sua
importância administrativa, pelo que, a partir de 1225, Dornes é convertida em
Comenda. A antiga atalaia é então reconstruída e novamente reaproveitada como
estrutura defensiva, possivelmente por D. Gualdim Pais, passando a Torre de
Dornes a complementar o sistema de fortificações da região, juntamente com os
Castelos de Monsalude, Murta, Ceras e Tomar. Com a conclusão do processo de
Reconquista (1252), o retorno à paz conduziria ao abandono de grande parte das
estruturas militares ou ao seu reajustamento a novas funções. Por essa razão, a
22 de Junho de 1536, quando Frei António de Lisboa se desloca à Igreja de Nossa
Senhora do Pranto, a atalaia medieval de Dornes havia sido já convertida em
campanário, nela se preservando os sinos da vila que aí se mantiveram até aos
dias de hoje.
No contexto da Reconquista
Cristã aos mouros, em fevereiro de 1159, D. Afonso Henriques doa à
Ordem dos Templários o castelo de Ceras (cuja localização é incerta) e
respetivo distrito, cujos limites, segundo António Baião (p. 2), se
estendiam até ao rio Zêzere, no sítio chamado Cais, vinham pelo caminho público
até ao mosteiro de Murta (cujos vestígios desapareceram) e ribeira do mesmo
nome, até Fraxineta, descendo para o sítio de Tomar, na estrada de Coimbra a
Santarém, e daí a Ourém, Beselga e depois rio Zêzere até novamente ao sítio de Cais.
Na verdade, D.
Afonso Henriques decidira primeiramente recompensar os 120 homens que consigo
conquistaram Santarém, boa parte deles cavaleiros Templários, com os direitos
sobre o Eclesiástico de Santarém, ou seja, sobre as suas igrejas. Porém, oito meses
depois de Santarém, nesse mesmo ano de 1147, D. Afonso Henriques conquistou
Lisboa com a ajuda de 13.000 Cruzados. Um deles era D. Gilberto de Hastings,
monge inglês que o nosso primeiro rei vai nomear para bispo de Lisboa. Ora, D.
Gilberto achava que os direitos sobre as igrejas de Santarém pertenciam ao
bispo de Lisboa e fez essa reclamação junto do Papa, iniciando-se um longo
conflito. Com a mediação de D. Gualdim Pais, os Templários cedem os direitos
sobre Santarém a D. Gilberto, excepto os da igreja de Santiago, e recebem do
rei o vasto território de Ceras, ficando com o dever de o defender de
qualquer ataque árabe e o direito de o explorar economicamente, livre de
quaisquer obrigações ou pagamento de impostos ao rei ou ao bispo. O território
de Ceras, que incluía todo o atual concelho de Tomar e cerca de metade da área
do concelho de Ferreira do Zêzere, passaria a ser a sede da Ordem dos
Templários em Portugal.
Apesar de a
doação do castelo e distrito de Ceras ser feita ad populandum, isto
é para ser povoado, António Baião (p. 13) afasta a hipótese que o território
fosse totalmente desabitado, defendendo, na sequência da proibição em admitir
neste território moradores dos prédios da coroa desde o Mondego até ao Tejo,
sem licença régia, que para povoarem o distrito de Ceras ou contavam com
povoadores ja aí existentes, ou com escravos sarracenos, ou então seria
possível atrair habitantes de territórios não pertencentes à coroa. Neste
âmbito, há quem defenda, sem provas históricas de rigor, que entre os
povoadores estariam galegos, com uma espiritualidade marcadamente celta.
D. Gaião,
alcaide de Santarém, também terá doado a propriedade da Torre do Langalhão ou
da Murta à Ordem do Templo que, por volta de 1159, era limítrofe à herdade do
castelo e distrito de Ceras, pertencente à mesma Ordem. Já por essa altura a
atalaia se encontrava arruinada, pois quando D. Gualdim Pais passou pelo
Castelo de Ceras, então totalmente derrubado, o único lugar fortificado que
encontrou foi o Castelo "do Ladrão Gaião", que ficava a cerca de uma
légua de distância, e cujas paredes se encontravam igualmente destruídas.
D. Gaião é uma
personagem imortalizada na tradição oral ferreirense por todo o conjunto de
lendas geradas em torno do lugar e que encontram a sua máxima expressão numa
das próprias designações do imóvel: Torre do Ladrão Gaião. Segundo uma
dessas lendas (que, no entanto, pode apresentar variantes), Gaião seria um
gigante que habitava nesta torre, roubando os transeuntes que por ali passavam.
Certo dia, porém, um pequeno homenzinho, que transportava consigo uma bolsa de
moedas de ouro, vendo-se cercado pelo gigante, esperou que este se inclinasse
para o roubar. Ao fazê-lo, o homenzinho apunhalou o ventre de Gaião que, no
entanto, ao cair esmagou o seu assassino. Outra lenda, idêntica à anterior,
refere que nesta torre viveria igualmente um gigante que, tendo um pé em casa,
chegava com o outro ao Pereiro, apanhando deste modo as raparigas, que levava
para a torre, onde deixavam a virgindade.
Em 1190, D.
Sancho I doa a sua herdade de Vale de Orjais a Pedro Ferreiro, um
besteiro do rei e homem de modesta condição, como recompensa pela sua bravura
contra os mouros na defesa de Montemor-o-Novo. Porém, por volta de 1206, parte
desta herdade seria adquirida por Pedro Alvo, pretor de Tomar, que aí vem a
fundar a povoação de Águas Belas. Em 1222, tendo alargado consideravelmente o
seu território rústico por meio de compras e usurpações, Pedro Ferreiro
lançaria as bases de um pequeno concelho rural, dando carta de foral aos
povoadores da sua herdade de Vila Ferreira. Posteriormente, esta Vila foi
unida, no ano de 1285, a um reguengo do termo de Abrantes, constituindo-se um
concelho com termo em Villarey, a que ficou subordinado o de Ferreira (mais
tarde, em 1517, a população de Ferreira do Zêzere recusar-se-á a prestar
juramento em Vila de Rei, conflito que o Rei D. Manuel terminará, decidindo que
esta tenha forca e pelourinho próprios). O conjunto, por volta de 1306, seria
doado aos Templários e, posteriormente, em 1321, após a fundação da Ordem de
Nosso Senhor Jesus Cristo, vem a constituir uma das novas comendas (células
administrativas concedidas a eclesiásticos e cavaleiros de ordens militares)
instituídas no termo de Tomar.
De longa data
são por isso algumas das Comendas que tiveram sede no atual
perímetro deste Concelho, nomeadamente as de Ferreira, Dornes e Pias. Estas
células administrativas sofreriam no decurso das décadas seguintes
significativas fragmentações, casos não inéditos, uma vez que por esta altura “
...os interesses particulares de nobres e prelados cruzavam-se com as questões
políticas e modificavam-nas diversamente”.
Daqui advém
alguma confusão na orientação dos circuitos administrativos, sociais e
económicos da região nas décadas sucedâneas. Dessa dicotomia administrativa são
exemplo a carta de foro dado à Vila Ferreira em 1222, por Pedro Ferreira, a
carta de foro de Vila de Rei dada por D. Dinis em 1285 e que abrangia uma
importante parcela da atual freguesia de Ferreira do Zêzere e já no decorrer
do século XIV a instituição do morgado de Águas Belas, mantendo-se as Comendas
de Dornes e Pias sob a alçada da recém criada Ordem de Cristo.
No século XV
vamos por isso encontrar nas comunidades atrás referidas diferentes estruturas
administrativas, acrescidas agora de um novo fator de desenvolvimento que até à
presente data tem sido pouco contextualizado mas que deriva do estabelecimento
da Casa Senhorial do Infante D. Henrique em Tomar.
Porquanto seja lícito considerar que “... a nobreza em Tomar não teve
durante os primeiros tempos, e mesmo no alvorecer da Idade Moderna, grande e
apreciável representação; dominava a Ordem de Cristo os vastos campos em torno
da pitoresca Vila; exerciam por aí os freires, com notável amplitude de direitos
e regalias a sua larga jurisdição; e fraca seria a posição de um braço
preponderante em terra já tão absorvida pela omnipotência tentacular de uma
instituição como a dos sucessores portugueses da Cavalaria Templária", não
é menos verdade que com a chegada do Infante se estabelecem na região diversos
varões da mais nobre proveniência.
Bastará um olhar
circunstanciado às Comendas cujos limites se inserem nos do atual Concelho de
Ferreira do Zêzere para vislumbrarmos nomes como os de Frei Gonçalo Velho,
Comendador das Pias, cavaleiro e criado do Infante a quem é atribuída a
descoberta dos Açores, Martim Correia, Senhor da Torre da Murta (Areias),
guarda-mór do Infante, Jaime Cotrim, Senhor da Quinta do Souto de Ereira (Paio
Mendes), antigo mordomo-mór da Rainha Dona Filipa de Lencastre e monteiro-mór
do Infante ou Frei D. Gonçalo de Sousa, comendador-mór da Vila de Dornes, vedor
da Casa do Infante, seu alferes-mór e alcaide de Tomar.
A este rol de
nomes acrescentaremos o de Álvaro Pereira, 2º Senhor de Águas Belas companheiro
de armas de longa data do Infante D. Henrique por quem fora armado cavaleiro na
tomada de Ceuta. Nunca em qualquer outro período da história, na dimensão
geográfica do nosso estudo se conheceram tantos e tão ilustres contemporâneos...
Avancemos agora
algumas décadas até ao início do século XVI, que, como já vimos no capítulo
anterior, foi marcado por profundas reformas administrativas. Assim com a
elaboração dos Forais Novos da Extremadura, Águas Belas e Ferreira tiveram
foral novo respetivamente a 3 e 12 de março e Dornes alguns meses mais tarde a
10 de novembro de 1513.
De fora desta
reforma ficara a Comenda das Pias, cuja sede seria elevada á categoria de Vila
já no reinado de D. João III, a 25 de fevereiro de 1534, mantendo-se no entanto
sob a jurisdição administrativa e eclesiástica respetivamente do Foral e
Prelazia de Tomar.
Ficaram assim
delimitados os termos destas quatro Vilas que se compunham das seguintes
freguesias: Águas Belas, com Nossa Senhora da Graça de Águas
Belas; Dornes, com Nossa Senhora do Pranto de Dornes, Santo
Aleixo do Beco e São Vicente de Paio Mendes (1567); Ferreira,
com São Miguel de Ferreira; e Pias, com São Luis das
Pias, Santa Maria das Areias, São Pedro de Alviobeira e Espirito Santo da
Igreja Nova do Sobral (desde 1608).
Durante toda a
saga dos Descobrimentos e nos séculos seguintes distinguiu-se esta região pela
importante produção de madeira, sendo espécie predominante o castanheiro. Da
abundância desta árvore veio tirar grandes proveitos a Sereníssima Casa e
Estado do Infantado que desde o inicio da segunda metade do século XVII se
apoderou de diversos bens da Ordem de Cristo integrando-se assim no já complexo
tecido administrativo destes quatro Municípios.
E assim a passos
largos caminhamos para a primeira metade do século XIX, deixando para trás um
século caracterizado pelo predomínio de uma nobreza rural remediada,
secularmente instalada à sombra dos castanheiros e das avenças dos serviços
prestados à República.
Já a primeira
metade do século passado foi assaz marcante para a história do atual Município
de Ferreira do Zêzere, pois no curto espaço de 27 anos (1810-1836) todo o
xadrez administrativo seria reequacionado. Primeiro as invasões
francesas que tão madrastas foram para o território que vimos
estudando, depois as disputas fratricidas que conduziriam á extinção das Ordens
religiosas e militares, tudo isto em data pouco distante do momento em que
“...o governo setembrista decretou, pela mão de Passos Manuel, o novo
ordenamento administrativo do território. Assim, o decreto de 6 de novembro de
1836 dividia o País em 351 concelhos, procedendo à extinção de 498 pequenos
municípios, que eram integrados noutros a fim de se formarem as grandes circunscrições
concelhias.” Entre os referidos 498 Municípios estavam Águas Belas, Dornes e
Pias que desde então passaram a integrar o Concelho de Ferreira do Zêzere.
Ainda durante a
segunda metade do século XIX assistiu-se a certos reajustamentos
administrativos dos quais o mais significativo foi a tentativa, em 1867, de
extinguir o Concelho de Ferreira do Zêzere. Tal não veio a suceder e, até à
recente reforma administrativa, este compôs-se de nove freguesias: Águas
Belas, Areias, Beco, Chãos, Dornes, Ferreira do Zêzere, Igreja Nova do Sobral,
Paio Mendes e Pias. O Concelho estende-se ao longo de quase 185 Km2,
inserindo-se na Diocese de Coimbra, no Distrito de Santarém, e desde 21 de
dezembro de 1936 é parte integrante da província do Ribatejo.
Bibliografia
António Baião, a Vila e o Concelho de Ferreira do Zêzere
http://www.terra-scenica.pt
http://www.terra-scenica.pt
http://tactiboqueando.blogspot.pt
http://www.ferreiradigital.com
PATRIMÓNIO RELIGIOSO
ÁGUAS BELAS
Areias
Chãos
Dornes
Ferreira do ZÊzere
Igreja Nova do Sobral
Paio Mendes
Pias